sábado, 21 de fevereiro de 2015

Lotus 88 e 88B...

por Renato Breder

O carro inovador de Colin Chapman, no qual as funções aerodinâmicas foram isoladas das funções puramente mecânicas, num esquema de chassis duplo, foi amplamente contestado pelas equipes rivais. Uma longa e estafante batalha nos tribunais acabaram por privar os fãs da Formula 1 de ver esse fantástico carro competindo de verdade num Grande Prêmio.

 1981, 1a etapa – Grande Prêmio EUA-Oeste, Long Beach

Em Long Beach, o novo carro do Team Lotus, o inovador Lotus 88 foi aceito e aprovado pelos escrutinadores (delegados técnicos da organização do GP) na apresentação antes dos treinos oficiais.

As sessões de treinos na sexta-feira e sábado pela manhã não tinham cronometragem oficial. Apenas as sessões vespertinas tinham tempos considerados para a formação do grid. Na sexta-feira pela manhã os times davam suas voltas de instalação, testavam os sistemas e acertavam os setups dos carros para a sessão cronometrada . Nessa sessão matutina, o único modelo 88 da Lotus foi conduzido por Elio de Angelis. Nigel Mansell contava com uma Lotus 81.

Elio de Angelis em Long Beach, treinando

Na sexta-feira, ainda pela manhã, os times rivais entraram com um protesto contra a aprovação do carro da Lotus.

Pela hora do almoço, os organizadores do Grande Prêmio davam a Chapman a impressão de que o protesto não daria em nada, tanto é que Elio de Angelis  começou o treino de  sexta-feira à tarde com o Lotus 88. Mas um problema na bomba de combustível forçou o italiano a trocar para o Lotus 81. Após os reparos, De Angelis retornou ao 88 no fim da tarde mas priorizou o teste dos sistemas e não a marcação de um bom tempo de volta. Os tempos de volta relevantes foram marcados com o modelo 81. Alguns probleminhas ainda surgiram e a noite de sexta-feira foi de muito trabalho para os mecânicos da Lotus.

No fim do dia, os organizadores do GP anunciaram que o protesto havia sido mantido e o Lotus 88 estava "ilegal", mas poderia continuar testando até que autoridades "superiores"  enfim tomassem uma decisão.

No sábado pela manhã, De Angelis de volta ao Lotus 88, inicia o treino, mas sem razão alguma (declarada) recebeu bandeira preta, sendo excluído dos treinos.

Sendo assim, tempos relevantes foram marcados apenas com a Lotus 81 de De Angelis.

 1981, 2a etapa - Grande Prêmio do Brasil, Jacarepaguá (Autódromo Riocentro)

Houve uma sessão de treinos não oficial na quarta-feira anterior ao fim de semana do Grande Prêmio. De Angelis circulou com o Lotus 88 nesse treino pré-GP.

Nessa quarta-feira, a decisão inicial dos escrutinadores, acerca da elegibilidade do Lotus 88, foi adiada até que eles pudessem discutir a questão com os comissários técnicos do evento. No entanto, ambos aceitaram o carro como legal e este recebeu o selo de aprovação técnica que o habilitava aos treinos oficiais.

De Angelis com um desnudo Lotus 88 nos pits de Jacarepaguá

Na sexta-feira, no entanto, os escrutinadores pediram para examinar o carro novamente.  Eles queriam verificar se o carro atendia ao regulamento que estabelecia que, com pneus vazios em um lado do carro, a carroceria não deveria tocar o solo. Fizeram o teste usando François Mazet (porta-voz do patrocinador) como piloto no cockpit. O carro mostrou-se dentro do regulamento, portanto legal. Os escrutinadores balançaram o carro para frente e para trás e ele continuava legal. Então eles pressionaram a carroceria para baixo e para cima e quando o carro tocou no solo - em circunstâncias bem artificiais e propositais - foi imediatamente considerado ilegal e excluído de qualquer participação no evento.

De novo, nenhum tempo oficial cronometrado para o Lotus 88.

O mais irônico é que a Brabham BT49C, de Gordon Murray, com sua suspensão hidro-pneumática, baixava a altura do carro quando estava correndo, bem abaixo dos 6 cm regulamentares, por vezes tocando o solo. O regulamento – mal escrito – dizia que quando o carro estava saindo ou chegando dos pits, a carroceria deveria estar, no mínimo, a 6 centímetros do solo. Não dizia nada sobre o restante da pista. Assim que saía do pitlane, a Brabham “automaticamente”  baixava a alguns pouquíssimos milímetros do solo. Esse carro não foi banido ou excluído... quem era o chefão da Brabham? Bernie Ecclestone, que começava estender seus tentáculos sufocando a todos na F1 e ganhando o controle da categoria.

Após o GP de Long Beach, na Corte Internacional de Apelação, Chapman ganhou a causa com a ACCUS - autoridade esportiva nacional estadunidense - considerando o carro legal. Antes do GP do Brasil, vários times protestaram junta à FISA contra a decisão da ACCUS. Chapman pediu, então, à FISA que de uma vez por todas se decidisse sobre a legalidade ou não do carro.

 1981, 3a etapa - Grande Prêmio da Argentina, Buenos Aires

Em Buenos Aires, os escrutinadores não foram tão benevolentes com o Lotus 88. O carro foi rejeitado assim que foi apresentado.

Chapman manifestou seu desgaste e cansaço com a situação, dizendo-se vítima de uma conspiração num press-release na sexta-feira. Ele, inclusive, ameaçou abandonar o automobilismo pelo caso da Lotus 88. Chapman estava tão desapontado com tudo que partiu de Buenos Aires antes do fim dos treinos. E pela primeira vez em 22 anos, ele não esteve nos pits para ver seus carros correrem no domingo.

Pela suposta conspiração, o presidente da FISA, Jean-Marie Ballestre, impôs uma multa de 100 mil dólares a Chapman pelas "escandalosas e inverídicas" alegações  contra a integridade dos fiscais dos Grandes Prêmios.

Pela terceira vez nenhum tempo oficial cronometrado para o Lotus 88.

 1981, 4a etapa - Grande Prêmio de San Marino, Ímola

Na semana anterior ao Grande Prêmio de San marino, o Tribunal da FIA baniu o Lotus 88 e com isso, Colin Chapman desistiu da participação das atividades do GP em Ímola.

No Grande Prêmio da Bélgica, a Lotus voltou apenas com modelos 81B. Durante todo o imbróglio com o Lotus 88, o “outro” modelo da Lotus nos grandes prêmios iniciais, o 81, nem sequer foi desenvolvido ou atualizado. Por isso, para o GP belga a Lotus alterou seu modelo antigo.

Apesar disso, no Grande Prêmio seguinte, o de Mônaco,  a Lotus apareceu com novos carros para De Angelis e Mansell, o modelo 87.

Mas Chapman ainda tentava convencer o “circo” da F1 que seu modelo inovador também atendia às exigências do regulamento.  Chapman e o Team Lotus executaram então algumas 'leves' modificações no 88 a fim de torná-lo 'legal' aos olhos da FISA.

 1981, 9a etapa - Grande Prêmio da Grã-Bretanha, Silverstone

Na quarta-feira anterior ao Grande Prêmio, o Team Lotus apresentou três Lotus 88B, o original 88 'modificado' e dois outros novos em folha. Eles foram aprovados pelos escrutinadores da RAC (Royal Automobile Club) e cerca de 2 horas depois, Ferrari, Alfa Romeo e Talbot-Ligier apresentaram um protesto oficial contra a aprovação do carro.

Três Lotus 88B: Mansell, De Angelis e carro reserva

Durante toda a quinta-feira - o GP britânico ocorria aos sábados àquela época - os carros da Lotus participaram das sessões de treinos matutino e vespertino (cronometrado). Enquanto isso, os comissários do GP discutiam com os representantes da FISA sobre a questão da Lotus.

A RAC estava do lado da Lotus e deixou toda a decisão nas mãos dos comissários do evento.

Na sexta-feira, todas as decisões deram meia-volta e o Lotus 88B foi declarada ilegal e os tempos registrados por De Angelis e Mansell (na única vez que pilotou o 88B) na quinta-feira à tarde foram excluídos.

A RAC entendia que ela tinha plenos poderes sobre seu próprio GP, o que não era verdade, e a FIA, através da FISA podia e pôde vetar quaisquer decisões tomadas pelos comissários ou pelos organizadores.

A FIA/FISA considerou o Lotus 88B como uma derivação do Lotus 88 que já havia sido declarado ilegal pela Corte Internacional de Apelação.

Como resultado, o Team Lotus ficou com um enorme trabalho de "converter" os Lotus 88B em Lotus 87 para as atividades da mesma sexta-feira.

Foi o fim da saga do Lotus 88...

Na quinta-feira, o mais rápido no treino cronometrado foi René Arnoux (Renault RE30) com o tempo de 1'12.158. Nesse mesmo treino, o pior tempo - 30o tempo - foi de Beppe Gabbiani (Osella FA1B) com 1'20.377. Nigel Mansell, com o Lotus 88B, marcou apenas o 17o tempo: 1'15.922 e De Angelis, também com o 88B, o 19o tempo: 1'16.029.

No dia seguinte, sexta-feira à tarde, Arnoux baixou seu tempo para 1'11.000... cravadaço! De novo o melhor tempo do dia (e o tempo da pole position1). Mansell e De Angelis participaram ambos a bordo de suas Lotus 87. Mansell piorou seu tempo, marcando 1'16.432, o 26o tempo da sessão. De Angelis melhorou seu tempo baixando para 1'15.971, o 22o tempo entre 30 pilotos naquele dia.

Como havia apenas 24 vagas no grid, no agregado De Angelis qualificou-se para o GP com o 22o tempo e Mansell não se qualificou com o 27o tempo.

Mansell em Silverstone, em sua única vez com o Lotus 88B

11 comentários:

Fernando Becker disse...

Última criação revolucionária de Colin Chapman ! Carro muito bonito , exótico , mas fica a dúvida sobre seu desempenho . Será que realmente seria competitivo ?

Arlindo Silva disse...

Não. O De Angelis falava pelos cantos que o carro era a pior porcaria do mundo.

Giorgio Moretti disse...

Elio con il controverso Lotus 88. L'ultima creazione di Chapman e lo fece diventare disilluso con il circo di una formula.

Anônimo disse...

lendo o excelente texto fica claro que a ferrari e o bernie forçaram a barra pra vetar o 88

marconni

Gerard Crozier disse...

twin chassis!

Anônimo disse...

Andre,

você é "doido"!! (hehehehe)
Postou o texto TODO!!!

obrigado, amigo!

abraço,
Renato Breder

Por Dentro dos Boxes disse...

Breder,

assim não restará dúvidas né... hehehe

abs...

Pedro Perez disse...

trabalho incrível! muito bom! tirei todas as dúvidas que tinha com relação a esse carro, parabéns

Cassio Antonio Rodrigues Maffessoni disse...

A ideia desse carro,muita gente diz que é mutreta,mas eu acho sensacional o ''chassis duplo''.

walter disse...

Todas as decisões contra o Lotus 88 sâo hipócritas, injustas, ou ambas.
A F1 -- e não apenas a Brabham -- passou a adotar suspensoes que elevavam a carroceria e a abaixavam, para que houvesse total efeito asa, na pista, mas o carro ficasse artificialmente elevado, ao chegar nos boxes.
O mecanismo de Chapmann nao era mais licito. Mas tampouco era menos licito.
De qualquer modo, esse carro era muito lindo e a busca pelo efeito asa, introduzida por Chapman, é hoje uma obrigacao em qualquer categoria do automobilismo.

walter disse...

Todas as decisões contra o Lotus 88 sâo hipócritas, injustas, ou ambas.
A F1 -- e não apenas a Brabham -- passou a adotar suspensoes que elevavam a carroceria e a abaixavam, para que houvesse total efeito asa, na pista, mas o carro ficasse artificialmente elevado, ao chegar nos boxes.
O mecanismo de Chapmann nao era mais licito. Mas tampouco era menos licito.
De qualquer modo, esse carro era muito lindo e a busca pelo efeito asa, introduzida por Chapman, é hoje uma obrigacao em qualquer categoria do automobilismo.