sexta-feira, 1 de julho de 2016

Rato no Box...

Amigos,

O artigo abaixo foi extraído do (ótimo) blog Histórias que Vivemos, do amigo Rui Amaral Jr e relata, em detalhes, o teste (e o veredito) de Emerson Fittipaldi com o tão aguardado F-6 em Interlagos para a temporada de 1979.

A autoria deste maravilhoso relato é de Mario Marcio G. Souto Maior, o "Cuca" e foi postado em 22 de agosto de 2011.

Passados quase 5 anos de sua publicação no blog do Rui, vale a pena mergulhar nessa história...

Confiram...

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Emerson Fittipaldi e o F-6 em Interlagos...
Teste do F6...

Há algum tempo, que o amigo Rui Amaral me pediu para escrever um texto para o Histórias. Talvez tenha se passado alguns meses, talvez um ano, não importa, o fato é que sentei para escrever sobre o meu grande ídolo Emerson Fittipaldi. Poucas pessoas tem o talento nato de pilotar um carro como o Emerson, segundo seu irmão Wilson, que diz que viu poucos pilotos assim, e cita Graham Hill, Ronnie Peterson, Jackie Stewart e Airton Senna, palavras do Wilsinho. Segundo ele, o que o Emerson leva uma volta para entender o comportamento de um carro, ele, Pace ou Piquet, levariam 30 ou 40 voltas. Que fique claro que o Wilsinho não esta falando em pilotagem e sim em sentimento, pois, qualquer um dos que ele citou mesmo não tendo este sentimento, com certeza são excelente pilotos. Por tanto, o que vou relatar, diz exatamente isso, como um cara como o Emerson, desafiou um carro e deu um veredicto final.

Muito se fala sobre o primeiro teste do Copersucar F6, em 8 de janeiro de 1979, bom, eu estava lá, e o que vou relatar, é o que eu vi, e quero deixar bem claro que eu estava ao lado do Wilsinho pois era uma rato de box, e com certeza ele nem sabia quem eu era.

O dia amanheceu bonito, fui para Interlagos sozinho e de ônibus, entrei pelo antigo portão 3, um funcionário me indicou o caminho das arquibancadas, agradeci, e lógico, fui pelo túnel até os boxes. O F6 estava lá, Darci,  Ricardo Divilla e alguns mecânicos mexiam nele. Foi o tempo de eu observar como era belo e bem feito o F6, fiquei orgulhoso de ser brasileiro, como sou até hoje.

Alguns minutos se passaram e Wilsinho e Emerson chegam num BMW branco. Era um BMW cheio de aerofólios, abas e na minha modesta opinião, feio "pra carai", nunca achei aquilo bonito, mas enfim, era o carro do Wilson Fittipaldi. O Emerson já estava de macacão, depois de uns 15 ou 20 minutos, com um largo sorriso, entrou no carro, falou com o Wilson e combinou três voltas lentas e uma parada no box para uma revisão no estado do carro.

Ao lado de Emerson está o Ricardo Divila e lá atrás certamente uma daquelas cabeças é a do Cuca...
Emerson foi para a pista e fez a primeira volta pelo anel externo, bem lentamente. Passou na frente dos box, a uns 150, 160 km/h, entrou na curva "Um" sem frear e um enorme barulho de pneus cantando tomou conta do autódromo, ai começou o drama. Wilsinho gritou:

-Ele rodou...

Eu estava ao seu lado e disse:

-Não, ele esta entrando na "Dois"...

Emerson deixou o carro rolar na "Dois", "embicou" o F6 no retão e acelerou a barata a fundo.

Aqui, vale um adendo: o F6 tinha uma particularidade, os escapamentos virados para a frente do carro e saiam na lateral do F6, isso dava um ronco muito característico ao F6, pois o som saía pelas laterais e batia nos guard rails e produzia um som muito alto e embolado, que o Emerson depois disse não gostar, e não era para gostar mesmo, pois o som não era bonito, era assustador, fazia o autódromo parecer pequeno.

Enfim, o Emerson acelerou e fez a "3" e a "4".  A esta altura, o Wilsinho, eu e um monte de gente já estávamos na grade do "Laranja". O Emerson saiu da quatro e desacelerou. e "chacoalhou" o caro de um lado para ou outro e enfiou o pé no acelerador novamente, rumo a "Ferradura". O Wilsinho já perguntava em voz alta:

-O que ele esta fazendo ? Tem alguma coisa errada...

Emerson veio pela reta que antecede a "Ferradurra" rápido e mandou o F6 para dentro.

Chego a me arrepiar quando lembro... O carro chimava, gritava os pneus, e o Rato segurando o bicho com um cavalo bravo... Fez a "Ferradura", e novamente desacelerou, mais uma vez,"chacoalhou" o F6 e pé em baixo. Subiu o “Lago“, "Reta Oposta", "Sol" e "Sargento" e a bota em baixo, urrando ele passou pelo "Laranja", o F6 parecia um Kart saindo nas quatro rodas. Wilsinho de boca aberta só disse:

-Que é isso...

Emerson freiou forte na entrada do "S" e fez o "Pinheirnhho", "Bico de Pato" e "Mergulho" muito devagar. O Wilsinho disse já se mexendo para voltar para o boxes.

-Ele vai parar...

Enquanto caminhávamos para os box, ouvimos o assustador ronco do F6, corremos em direção a mureta dos boxes, quando chegamos, Emerson vinha saindo do "Café" de pé em baixo. Foi o tempo de debruçar na mureta e o F6 passar num pau...Wilsinho colocou a mão na cabeça e gritou:

-Ele é louco, ta querendo se matar...

O F6 entrou na curva "1", chimando e reclamando,fez a "2", "Retão", e nós, mais uma vez corremos para  a grade do "Laranja".

O que posso dizer, é que o F6 virou um Kart na mão do Emerson. Ele veio em direção a "Ferradura", numa tomada muito "doida", e mandou fundo, o F6, malcriadamente, jogou a traseira, Emerson só deu um toque no volante, e fez a "Ferradura" em uma espetacular derrapagem controlada, com se estivesse andando num carrossel... Nunca, na minha vida, vou esquecer da posição das mão do Emerson, tranquilas e firme...somente segurando o volante com toda a "finesse" que lhe era característica. Bom, o F6 subiu o lago,"Reta oposta", "Sargento" e passou diante dos meus olhos no "Laranja", saindo nas quatro, como se costuma dizer, mas totalmente na mão do "Rato". Ai aconteceu algo inesperado. Ouvi muita gente gritando,: "Sai,sai,sai". Quando olhei, vi que um desavisado jardineiro, estava atravessando a pista logo após a curva do "Café". Wilsinho estava tão concentrado no irmão, que nem percebeu o que estava acontece. Para piorar, o cara parou no meio da pista e ficou a perguntar o que estava acontecendo. Felizmente, um bombeiro foi lá e o retirou da pista, mas até hoje me pergunto, o porque teria um cara tão desavisado, num dia de teste de um F1, com aquele enorme barulho, entrar com um trator no meio da pista?

Depois de uma violenta freada na entrada do box, o F-6 perde parte da carenagem...
O Emerson vinha acelerando até a entrada do boxes, onde deu um violenta freada, o que fez a carenagem do F6 voar longe...Entrou no box e parou no meio da pista. Cabeça baixa, tirou as luvas, desafivelou o capacete, e olhou fixamente para o irmão, que tinha acabado de sentar no pneu dianteiro do lado esquerdo. Com o dedo indicativo, Emerson fez um sinal de "vem aqui" para o  Ralph Bellamy  e disse:

-Tem algo de muito errado neste carro, ele não faz curvas, quase me jogou em cima do muro na primeira volta.

Ralph Bellamy , perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado, e disse que o problema era o Emerson que não sabia pilotar um "carro asa".

Neste momento, meus amigos, a coisa descambou um pouco, mas o que vi, foi o Emerson, calmamente, soltar o cinto de segurança, descer do carro e colocar a mão no ombro do  Ralph Bellamy, mas não numa atitude agressiva, o que eu acho é que o Ralf se assustou e foi andando para trás, até encostar na parede, ai sim, com dedo em riste, o Emerson falou:

-Nunca mais diga que eu não sei pilotar um formula 1, Respeite ao menos meu bicampeonato.

O mais incrível, é que isto aconteceu em dez ou vinte segundos, e que o Wilsinho partiu para cima do Ralf, e o Emerson que fez  "deixa disso..."

Passado isso, Reginaldo Leme vai entrevistar o Emerson.

RL

-Emerson, dá para pensar em vitórias este ano.

EF

-Olha, foi só um teste para ver se estava tudo bem com o carro, eu não conheço o carro, o carro também não me conhece, mas vamos ver, vamos tentar.
Emerson pula para dentro do box, eu rato que era pulo atrás e me escondo atrás de uns pneus empilhados. Logo chega o Wilson e baixa a porta dos boxes, não sei para que, pois eles eram totalmente vazadas. Olha pro Emerson, e com um pontinha de esperança pergunta:

- E ai ?

Emerson responde:

-Não anda e não vai andar nunca, jogamos três milhões de dólares no lixo, o carro parece uma banana assada de tanto que torce quando tenta fazer curva...

Lembro bem do Wilsinho passar a mão entre os cabelos e perguntar:

-E agora ?

Emerson responde:

-Agora, você leva tudo embora que eu não piloto mais esta encrenca.

De macacão, Emerson deixa os box pela parte de trás, entra na BMW do Wilsinho e sai acelerando... Wilsinho com as mãos nas cadeiras, lentamente move a cabeça e olha fixamente para mim. EU não estava lá, ele não me viu, tinha coisas mais preocupante a pensar. Barulho da porta e entra Divilla no box:

-Cadê o Emerson?

WF

-Foi embora...

Wilsinho, lentamente dá um movimento de meia volta e para....

-Porra, ele foi com o meu carro....

Mario Marcio G. Souto Maior - "Cuca"

4 comentários:

Arthur Almeida disse...

ao ler esse texto fico a imaginar como teria sido as sensações de quem estava lá pra ver esse esperado teste do f6. Imagino como tenha se sentido o Cuca nessa hora e gostaria de parabeniza-lo por nos ter brindado com esse historico relato. A epopeia dos irmãos Fittipaldi deve ser imortalizada e relatos como esse devem fazer parte de um livro ou de um filme. Sensacional.

Rui Amaral Jr disse...

Caro André, conheci o Cuca no longínquo 1971 quando trabalhei com meu amigo Expedito Marazzi e ele com uns 11 anos era amigo do Gabriel, filho do Expedito. Os dois "ratos de box" ficavam pela oficina, que era num posto de gasolina do Expedito, fuçando em tudo que dizia respeito à corridas e nos acompanhando à Interlagos. Os relatos do Cuca sobre este período são hilários pois o Expedito bem mais velho que eu, eu tinha 18 e ele uns 44, era um ser incrível e aprontávamos mesmo! Graças à Deus, Cuca, Gabriel e eu mantemos contato, com o Cuca que mora longe mais esporádico mas o Gabriel e eu estamos sempre juntos.
Tomo a liberdade de oferecer todos esses relatos à figura ímpar de Expedito Marazzi com quem tivemos o privilégio de conviver.

Um abraço

André Candreva disse...

Rui,

você e demais amigos que vivenciaram esses fatos importantes do nosso automobilismo devem sempre nos brindar com esses textos espetaculares...

1971 é meu ano de nascimento mas em 1978 já vibrava com o Emerson e seu Fittipaldi F-5... tinha pouca idade mas meu pai me incentivava a ver as corridas e me presenteava com jornais (Jornal do Brasil) com todas as informações da época... daí vem meu fascínio pelas corridas...

Em especial sou fascinado pela história da família Fittipaldi... então, esse texto do Cuca foi algo mágico pra mim...

E mais uma vez obrigado por ter permitido que eu o compartilhasse aqui...
abs...

Anônimo disse...

Quem bom!!

O batimento cardíaco está bem lento, mas o blog continua VIVO!!!

Grande André!

um abraço,
Renato Breder