por Renato Breder
O carro inovador de Colin Chapman, no qual as funções aerodinâmicas foram isoladas das funções puramente mecânicas, num esquema de chassis duplo, foi amplamente contestado pelas equipes rivais. Uma longa e estafante batalha nos tribunais acabaram por privar os fãs da Formula 1 de ver esse fantástico carro competindo de verdade num Grande Prêmio.
1981, 1a etapa – Grande Prêmio EUA-Oeste, Long Beach
Em Long Beach, o novo carro do Team Lotus, o inovador Lotus 88 foi aceito e aprovado pelos escrutinadores (delegados técnicos da organização do GP) na apresentação antes dos treinos oficiais.
As sessões de treinos na sexta-feira e sábado pela manhã não tinham cronometragem oficial. Apenas as sessões vespertinas tinham tempos considerados para a formação do grid. Na sexta-feira pela manhã os times davam suas voltas de instalação, testavam os sistemas e acertavam os setups dos carros para a sessão cronometrada . Nessa sessão matutina, o único modelo 88 da Lotus foi conduzido por Elio de Angelis. Nigel Mansell contava com uma Lotus 81.
Elio de Angelis em Long Beach, treinando |
Na sexta-feira, ainda pela manhã, os times rivais entraram com um protesto contra a aprovação do carro da Lotus.
Pela hora do almoço, os organizadores do Grande Prêmio davam a Chapman a impressão de que o protesto não daria em nada, tanto é que Elio de Angelis começou o treino de sexta-feira à tarde com o Lotus 88. Mas um problema na bomba de combustível forçou o italiano a trocar para o Lotus 81. Após os reparos, De Angelis retornou ao 88 no fim da tarde mas priorizou o teste dos sistemas e não a marcação de um bom tempo de volta. Os tempos de volta relevantes foram marcados com o modelo 81. Alguns probleminhas ainda surgiram e a noite de sexta-feira foi de muito trabalho para os mecânicos da Lotus.
No fim do dia, os organizadores do GP anunciaram que o protesto havia sido mantido e o Lotus 88 estava "ilegal", mas poderia continuar testando até que autoridades "superiores" enfim tomassem uma decisão.
No sábado pela manhã, De Angelis de volta ao Lotus 88, inicia o treino, mas sem razão alguma (declarada) recebeu bandeira preta, sendo excluído dos treinos.
Sendo assim, tempos relevantes foram marcados apenas com a Lotus 81 de De Angelis.
1981, 2a etapa - Grande Prêmio do Brasil, Jacarepaguá (Autódromo Riocentro)
Houve uma sessão de treinos não oficial na quarta-feira anterior ao fim de semana do Grande Prêmio. De Angelis circulou com o Lotus 88 nesse treino pré-GP.
Nessa quarta-feira, a decisão inicial dos escrutinadores, acerca da elegibilidade do Lotus 88, foi adiada até que eles pudessem discutir a questão com os comissários técnicos do evento. No entanto, ambos aceitaram o carro como legal e este recebeu o selo de aprovação técnica que o habilitava aos treinos oficiais.
De Angelis com um desnudo Lotus 88 nos pits de Jacarepaguá |
Na sexta-feira, no entanto, os escrutinadores pediram para examinar o carro novamente. Eles queriam verificar se o carro atendia ao regulamento que estabelecia que, com pneus vazios em um lado do carro, a carroceria não deveria tocar o solo. Fizeram o teste usando François Mazet (porta-voz do patrocinador) como piloto no cockpit. O carro mostrou-se dentro do regulamento, portanto legal. Os escrutinadores balançaram o carro para frente e para trás e ele continuava legal. Então eles pressionaram a carroceria para baixo e para cima e quando o carro tocou no solo - em circunstâncias bem artificiais e propositais - foi imediatamente considerado ilegal e excluído de qualquer participação no evento.
De novo, nenhum tempo oficial cronometrado para o Lotus 88.
O mais irônico é que a Brabham BT49C, de Gordon Murray, com sua suspensão hidro-pneumática, baixava a altura do carro quando estava correndo, bem abaixo dos 6 cm regulamentares, por vezes tocando o solo. O regulamento – mal escrito – dizia que quando o carro estava saindo ou chegando dos pits, a carroceria deveria estar, no mínimo, a 6 centímetros do solo. Não dizia nada sobre o restante da pista. Assim que saía do pitlane, a Brabham “automaticamente” baixava a alguns pouquíssimos milímetros do solo. Esse carro não foi banido ou excluído... quem era o chefão da Brabham? Bernie Ecclestone, que começava estender seus tentáculos sufocando a todos na F1 e ganhando o controle da categoria.
Após o GP de Long Beach, na Corte Internacional de Apelação, Chapman ganhou a causa com a ACCUS - autoridade esportiva nacional estadunidense - considerando o carro legal. Antes do GP do Brasil, vários times protestaram junta à FISA contra a decisão da ACCUS. Chapman pediu, então, à FISA que de uma vez por todas se decidisse sobre a legalidade ou não do carro.
1981, 3a etapa - Grande Prêmio da Argentina, Buenos Aires
Em Buenos Aires, os escrutinadores não foram tão benevolentes com o Lotus 88. O carro foi rejeitado assim que foi apresentado.
Chapman manifestou seu desgaste e cansaço com a situação, dizendo-se vítima de uma conspiração num press-release na sexta-feira. Ele, inclusive, ameaçou abandonar o automobilismo pelo caso da Lotus 88. Chapman estava tão desapontado com tudo que partiu de Buenos Aires antes do fim dos treinos. E pela primeira vez em 22 anos, ele não esteve nos pits para ver seus carros correrem no domingo.
Pela suposta conspiração, o presidente da FISA, Jean-Marie Ballestre, impôs uma multa de 100 mil dólares a Chapman pelas "escandalosas e inverídicas" alegações contra a integridade dos fiscais dos Grandes Prêmios.
Pela terceira vez nenhum tempo oficial cronometrado para o Lotus 88.
1981, 4a etapa - Grande Prêmio de San Marino, Ímola
Na semana anterior ao Grande Prêmio de San marino, o Tribunal da FIA baniu o Lotus 88 e com isso, Colin Chapman desistiu da participação das atividades do GP em Ímola.
No Grande Prêmio da Bélgica, a Lotus voltou apenas com modelos 81B. Durante todo o imbróglio com o Lotus 88, o “outro” modelo da Lotus nos grandes prêmios iniciais, o 81, nem sequer foi desenvolvido ou atualizado. Por isso, para o GP belga a Lotus alterou seu modelo antigo.
Apesar disso, no Grande Prêmio seguinte, o de Mônaco, a Lotus apareceu com novos carros para De Angelis e Mansell, o modelo 87.
Mas Chapman ainda tentava convencer o “circo” da F1 que seu modelo inovador também atendia às exigências do regulamento. Chapman e o Team Lotus executaram então algumas 'leves' modificações no 88 a fim de torná-lo 'legal' aos olhos da FISA.
1981, 9a etapa - Grande Prêmio da Grã-Bretanha, Silverstone
Na quarta-feira anterior ao Grande Prêmio, o Team Lotus apresentou três Lotus 88B, o original 88 'modificado' e dois outros novos em folha. Eles foram aprovados pelos escrutinadores da RAC (Royal Automobile Club) e cerca de 2 horas depois, Ferrari, Alfa Romeo e Talbot-Ligier apresentaram um protesto oficial contra a aprovação do carro.
Três Lotus 88B: Mansell, De Angelis e carro reserva |
Durante toda a quinta-feira - o GP britânico ocorria aos sábados àquela época - os carros da Lotus participaram das sessões de treinos matutino e vespertino (cronometrado). Enquanto isso, os comissários do GP discutiam com os representantes da FISA sobre a questão da Lotus.
A RAC estava do lado da Lotus e deixou toda a decisão nas mãos dos comissários do evento.
Na sexta-feira, todas as decisões deram meia-volta e o Lotus 88B foi declarada ilegal e os tempos registrados por De Angelis e Mansell (na única vez que pilotou o 88B) na quinta-feira à tarde foram excluídos.
A RAC entendia que ela tinha plenos poderes sobre seu próprio GP, o que não era verdade, e a FIA, através da FISA podia e pôde vetar quaisquer decisões tomadas pelos comissários ou pelos organizadores.
A FIA/FISA considerou o Lotus 88B como uma derivação do Lotus 88 que já havia sido declarado ilegal pela Corte Internacional de Apelação.
Como resultado, o Team Lotus ficou com um enorme trabalho de "converter" os Lotus 88B em Lotus 87 para as atividades da mesma sexta-feira.
Foi o fim da saga do Lotus 88...
Na quinta-feira, o mais rápido no treino cronometrado foi René Arnoux (Renault RE30) com o tempo de 1'12.158. Nesse mesmo treino, o pior tempo - 30o tempo - foi de Beppe Gabbiani (Osella FA1B) com 1'20.377. Nigel Mansell, com o Lotus 88B, marcou apenas o 17o tempo: 1'15.922 e De Angelis, também com o 88B, o 19o tempo: 1'16.029.
No dia seguinte, sexta-feira à tarde, Arnoux baixou seu tempo para 1'11.000... cravadaço! De novo o melhor tempo do dia (e o tempo da pole position1). Mansell e De Angelis participaram ambos a bordo de suas Lotus 87. Mansell piorou seu tempo, marcando 1'16.432, o 26o tempo da sessão. De Angelis melhorou seu tempo baixando para 1'15.971, o 22o tempo entre 30 pilotos naquele dia.
Como havia apenas 24 vagas no grid, no agregado De Angelis qualificou-se para o GP com o 22o tempo e Mansell não se qualificou com o 27o tempo.
Mansell em Silverstone, em sua única vez com o Lotus 88B |
11 comentários:
Última criação revolucionária de Colin Chapman ! Carro muito bonito , exótico , mas fica a dúvida sobre seu desempenho . Será que realmente seria competitivo ?
Não. O De Angelis falava pelos cantos que o carro era a pior porcaria do mundo.
Elio con il controverso Lotus 88. L'ultima creazione di Chapman e lo fece diventare disilluso con il circo di una formula.
lendo o excelente texto fica claro que a ferrari e o bernie forçaram a barra pra vetar o 88
marconni
twin chassis!
Andre,
você é "doido"!! (hehehehe)
Postou o texto TODO!!!
obrigado, amigo!
abraço,
Renato Breder
Breder,
assim não restará dúvidas né... hehehe
abs...
trabalho incrível! muito bom! tirei todas as dúvidas que tinha com relação a esse carro, parabéns
A ideia desse carro,muita gente diz que é mutreta,mas eu acho sensacional o ''chassis duplo''.
Todas as decisões contra o Lotus 88 sâo hipócritas, injustas, ou ambas.
A F1 -- e não apenas a Brabham -- passou a adotar suspensoes que elevavam a carroceria e a abaixavam, para que houvesse total efeito asa, na pista, mas o carro ficasse artificialmente elevado, ao chegar nos boxes.
O mecanismo de Chapmann nao era mais licito. Mas tampouco era menos licito.
De qualquer modo, esse carro era muito lindo e a busca pelo efeito asa, introduzida por Chapman, é hoje uma obrigacao em qualquer categoria do automobilismo.
Todas as decisões contra o Lotus 88 sâo hipócritas, injustas, ou ambas.
A F1 -- e não apenas a Brabham -- passou a adotar suspensoes que elevavam a carroceria e a abaixavam, para que houvesse total efeito asa, na pista, mas o carro ficasse artificialmente elevado, ao chegar nos boxes.
O mecanismo de Chapmann nao era mais licito. Mas tampouco era menos licito.
De qualquer modo, esse carro era muito lindo e a busca pelo efeito asa, introduzida por Chapman, é hoje uma obrigacao em qualquer categoria do automobilismo.
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